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Um grande horizonte

por Marina Bortoluzzi


Há uma força invisível que atravessa os tecidos do mundo. Uma corrente que conecta o céu,

cruza as nuvens, sopra entre os veios das folhas, venta sobre as rochas e deságua no mar.

Uma sinfonia silenciosa, em um ecossistema autossuficiente, mágico e vivo, que não se

limita a fronteiras, cercas ou molduras. Nesse fluxo contínuo, entre matéria e mistério, que a

obra de Celaine Refosco vibra a natureza em expansão. A artista adota uma visão anímica,

tal qual a filosofia de Baruch Spinoza, que entende Deus e natureza como uma única

substância, uma energia vital que habita tudo o que existe.

Sua pintura, no entanto, não tem a pretensão de retratar paisagens. Na tentativa de dizer o

que escapa, de captar o instante presente, a artista nos apresenta uma perspectiva

suspensa, panorâmica, ou ainda imersa, de como quem investiga com o próprio olhar. Sua

abordagem, sintonizada com a fenomenologia da percepção de Merleau-Ponty, não separa

o sujeito do contexto, mas nos convida a ancorar a vista através da experiência do nosso

corpo. Sentimos o frescor dessa biodiversidade, seu cheiro e dimensão.

Ao longo dos últimos anos, Celaine vem aprofundando uma pesquisa singular sobre o

fenômeno dos Rios Voadores, massas de ar carregadas de umidade que percorrem o

território sul-americano como cursos de água atmosféricos, redesenhando a lógica dos

mapas e dos ciclos da vida. Esse aspecto climático, que sustenta a distribuição de chuvas no continente, torna-se também metáfora poética e recurso visual da artista. Sua metodologia de observação reforça sua atenção para os impactos ambientais e as consequências geográficas e biológicas dos estados da matéria.

A trajetória de Celaine como designer têxtil fortaleceu seu vínculo com as superfícies. Da

prática do rapport, estrutura base da estamparia, nasceu seu fascínio pela repetição. Essa cadência reverbera em sua figuração-abstrata, desprendida de contornos definidos, cujo centramento está na expressão das pinceladas que constroem seu campo pictórico vibracional. A indefinição é parte de sua provocação: essa não-paisagem antecipa a subjetividade aberta da abstração. Além da alternância entre as cores claras e escuras, a luz natural, e suas variações, também assume elemento essencial em seu processo criativo.

Um Grande Horizonte é a primeira individual de Celaine Refosco na Galeria Mamute e marca o retorno da artista ao Brasil, após sua residência artística de três meses na Cité Internationale des Arts, em Paris, na França. A mostra apresenta 14 pinturas à óleo sobre tecido, de grande formato, produzidas entre 2018 e 2025; e uma décima quinta obra site-specific, em construção, feita em tule, que sintetiza a exposição.


O horizonte que emerge aqui não é uma linha estática, um ponto fixo ou o destino final. O

horizonte é a luz que irradia das fissuras, proporcionando um campo de visão. Quando tudo parece nebuloso, é a direção que guia onde ainda é possível acreditar. Paulo Freire dizia que somos seres que precisam de um amanhã, ou seja, de esperança, para criar as condições para sonhar. A arte de Celaine Refosco caminha nessa frequência: anda sem pressa, mas sempre em movimento e com intenção, como quem sabe que tudo está interligado e que se é possível enxergar, mesmo que à distância, é porque já existe.

Um grande horizonte

Categoria

Exposição Individual

Data

27 de maio a 26 de julho de 2025

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