A relação da pintura com a natureza é quase tão antiga quanto o ser humano. Se voltamos às pinturas rupestres vemos ali retratadas as vivências humanas com tudo que engloba na natureza, desde os seres que ali habitam, as adversidades que viviam, os materiais que exploravam e até mesmo metáforas percebidas pelas pessoas daquela época. A representação da natureza avança conforme o ser humano também avança, passando pelos mais diversos tipos de representação, por vezes indo em direções da figuração e outras da abstração. O assunto da natureza não se esgota, uma vez que a nossa relação com ela é impossível de ter um ponto final. É uma relação curiosa, em que as partes não se entendem em sua totalidade, muitas vezes vivendo em contradição; é a relação mais real e mais metafórica que temos. Pertencemos a ela, mesmo que muitas vezes não pareça.
Os Rios Voadores também entram nessa grande metáfora. São voadores, mas não da maneira que imaginamos prontamente. Se encontram no mais profundo solo em que a humanidade se estabelece, não conhecem fronteiras, não são adeptos a políticas ou a qualquer restrição moral que possa existir para a vida em cima deles. Integram biomas e as mais diversas geografias, tornando-se responsáveis pela distribuição de água pelo planeta, direta ou indiretamente. São voadores ao atingir árvores, nuvens e se deslocarem pelo globo, são tão invisíveis e ao mesmo tempo tão visíveis e óbvios que nos passam despercebidos muitas vezes.
Celaine Refosco nos leva a refletir sobre esse fenômeno e as formas que a ação humana tem impactado para alterá-lo. Ao adicionarmos disputas políticas, conflitos de interesses e uma ambição cega pelo dinheiro, o homem tem destruído a natureza sem considerar as possíveis consequências. A artista nos faz relembrar que vivemos diariamente essas consequências, direta ou indiretamente. Nos apresenta pinturas que nos desafiam a adentrar nesse voo da mesma forma que a natureza o faz, de forma integrada e conectada. Percebemos o quão afastados nos tornamos do nosso entorno, esse voo deveria ser livre, quase espontâneo, mas perdemos o caminho.
Merleau-Ponty uma vez apontou que os pintores podem apenas construir as imagens, cabendo a estas se integrarem nas pessoas juntando vidas separadas, passando a habitar em todos nós. Dessa forma, as imagens que vemos se mesclam com a nossa relação ancestral com a natureza e, quando voamos junto das obras de Celaine Refosco, é como um retorno às nossas origens. O que a artista nos dá é mais que um convite à retomada da sensibilidade, é um lembrete de nosso pertencimento.
Texto Curatorial - Cássia Pérez
Colab
Cássia Pérez
Imagens